Estive no culto de abertura
da 108ª Assembléia Anual da CBESP, reunida sob o
tema: "Transformados pelo Poder do Reino de Deus", em São Bernardo do
Campo, no auditório principal do CENFORPE, à noite em 13 de julho último.
Fui cativado pelo tema que aspira pelo novidoso, o renovado e a metamorfose
proposta no Evangelho. Entretanto, faço mea culpa, pois o envelhecimento traz
consigo uma dose amarga diária de desesperança, que não raro se confirma, pois
a experiência de vida nos permite enxergar através do que acontece, dos quadros
montados, articulados, e identificar os ajustes, e os ajeitamentos
denominacionais como de fato eles o são, asquerosos, revestidos de aparentes
transformações.
Dentre algumas observações elencadas e armazenadas na subjetividade, das quais
emergirei algumas, soube na ocasião que o diretor executivo da CBESP, Pastor
Valdo Romão, fora substituído por um interino, Pastor Joelito Santos; e que já
será substituído pelo definitivo, Pastor Adilson Santos. Conheço a todos, e sem
emitir qualquer juízo de valor, pois este não é o propósito deste alinhavo,
pensei: - Porque não uma mulher neste lugar de diretora executiva? Sim, uma
mulher Diretora Executiva da Convenção Batista do Estado de São Paulo. Mas as
idéias se chocam, se confundem, brigam entre si, uma vez que a voz da
experiência, com sua dose de pessimismo, assume a liderança do debate mental e
sintetiza: - é assim! É perceptível como as forças políticas e desejos pessoais
se articulam e se projetam esfaimados no ambiente denominacional de forma
absurdamente rápida, e novamente o cenário se compõe com os mesmos atores, com
novos títulos, novo aparelhamento de parceiros aparentando transformação, mas
sem querer abusar do jargão: - é mais do mesmo!
Entretanto, o tema da “transformação pela presença do Reino” é inebriante, e
insiste, visto que as mulheres foram dignificadas e resinificadas na
perspectiva novidosa e transformadora da mensagem do Evangelho do Jesus de
Nazaré. Absurdo de minha mente cogitar uma transformação que trouxesse à
liderança da CBESP uma mulher na condição de diretora executiva? Provavelmente
não, pois o cenário mundial contemporâneo coloca em destaque na Alemanha Angela
Merkel, na Inglaterra ascende
à liderança do Reino Unido Theresa May, e nos EUA Hillary Clinton tem reunido
intenções de votos para em outubro próximo sagrar-se presidente do país. No
Brasil temos a presidente afastada Dilma Rousseff, ainda que pesem opiniões
favoráveis e
desfavoráveis à gestão dela, é mulher eleita pelo povo. Mesmo que estes
exemplos não bastem como suporte argumentativo para justificar a presença de
uma mulher na direção da convenção, reporto-me à Igreja Metodista que no seu
20º Concílio Geral realizado em Teresópolis neste mês, não somente reconduziu
ao episcopado da igreja a Bispa Marisa de Freitas, bem como, elegeu nova Bispa,
a Pastora Hideide Brito.
Mesmo que tais informações não constranjam minha mente batista,
fundamentalista, que considera a Bíblia como única regra de fé e prática, evoco
a ressurreição do Cristo, no momento inaudito, ímpar, restaurador e
transformador em que as cadeias de morte são desafiadas pelas correntezas da
vida e da esperança, e lá estavam as mulheres, primeiríssimas testemunhas do
novo tempo do Reino de Deus (Mateus 28.8-10). Ora, se Jesus confiou às mulheres
o privilégio do anúncio primeiro das Boas Novas do Reino, não será que temos
dentre as preciosas irmãs batistas uma que seja suficientemente capaz de
assumir a função de diretora geral de nossa convenção estadual? Mulheres não
cabem no ministério pastoral? Não é bíblico? Afinal, o que é bíblico?
É sabido por nós, os batistas, o quanto se tem agregado à gloriosa história
batista a atuação preciosa, prestimosa e relevante de inúmeras mulheres, e
correndo o risco de cometer injustiças na omissão de muitos nomes, sugiro
alguns da vida denominacional, tais como: Anna Bagby, Tabita Krause de Miranda
Pinto, Olinda Lopes, Cenyra Pinel Bernardo, Acidália Tymchak, Nanci Dusilek,
Márcia Venturini de Souza, e milhares de milhares!
O Art. 64 do Regimento Interno da Convenção preceitua: “A CONVENÇÃO terá um
sistema adequado para avaliação periódica do desempenho dos seus executivos e
funcionários de todos os níveis, que será regulamentado através de um manual de
avaliação de desempenho aprovado pelo Conselho Geral”
Confesso
minha absoluta ignorância sobre a existência desse sistema da avaliação. Entretanto,
na prática, o que se observa é o que ouvi, aprendi e guardei como uma percepção
realista do funcionamento da máquina batista circunscrito na frase de um
ilustre pastor batista: “no meio batista, os diretores executivos são fortes...
as diretorias convencionais passam, eles ficam... por anos”
Ainda que duríssima tal visão da realidade, porém precisa em sua percepção,
hoje se reinventa o que já se inventou, e a possibilidade de arriscar uma
transformação se esvai na manutenção de práticas personalistas, e nos acordos
celebrados entre atores que ocupam e mantém seus cargos por anos a fio nos
meandros denominacionais. Ora, uma certa possibilidade de ruptura desse círculo
vicioso estará no resgate do sentido da diaconia às igrejas locais preceituado no
artigo quarto do Estatuto, intitulado:- das finalidades, como se lê: Art. 4º -
A CONVENÇÃO tem por finalidade: (I) – servir às igrejas nela arroladas,
contribuindo, por todos os meios condizentes com os princípios cristãos, para
aperfeiçoar, aprofundar e ampliar a ação das igrejas, visando à edificação dos
crentes e expansão do Reino de Deus. Em resumo, restabelecer urgente a
centralidade da Igreja na vida denominacional.
E neste percurso a desesperança embota a clareza do raciocínio, pois o que
menos se observa, assim como ontem percebi, é a igreja como agente protagonista
na Convenção, e a absurda tentativa da Convenção de se inserir cada vez mais na
dinâmica da igreja local, até questionando sua independência, soberania e
autonomia. Ora, quem dá vida à Convenção na mentalidade batista mais límpida, é
desde sempre a igreja local, não o contrário. Ademais, corrobora com a
centralidade da Igreja no pensamento batista, não somente o documento que temos
como Pacto das Igrejas Batistas, bem como, o próprio estatuto convencional que
considera: Art. 3º - A CONVENÇÃO é constituída pelas igrejas batistas do Estado
de São Paulo, nela arroladas, neste estatuto chamadas IGREJAS
Portanto, no momento, encontro uma salvaguarda para minhas elucubrações sobre a
possibilidade de uma mulher assumir a função de diretora executiva da CBESP,
visto que o espirito democrático, congregacional que rege nosso estilo de vida
comunitária, e deveria assim ser no ambiente convencional, pressupõe o risco de
submeter ao plenário multiforme, composto por várias tendencias ideológicas e
posturas teológicas diversas, ainda que batistas, conforme nos diz a Filosofia
da CBESP: Os Batistas adotam como forma de governo da igreja o sistema
democrático exercido pela congregação local, debaixo da soberania de Jesus
Cristo, Cabeça e Senhor da igreja, e da orientação do Espírito Santo.
Então, questiono: - não teria chegado o tempo do Espírito Santo em que Deus nos
venha colocar como convenção batista sob a liderança de uma mulher? Aliás, já
não chegou o tempo novo do Reino, dentro do espectro da transformação que todos
os diretores, de todas as áreas e organizações, tais como: colégio batista,
faculdade batista, diretor executivo e todos os demais fossem eleitos por meio
do sufrágio universal direto, com a participação da membresia das igrejas num
contexto livre e democrático, nas urnas? Não seria o tempo de se repensar no
risco da manutenção de mandatos vitalícios, oligárquicos, na modalidade
“enquanto bem servir”(?), substituindo-os para mandatos delimitados,
quadrienais, renováveis, desde de que consolidados pelo voto congregacional
direto nas assembleias convencionais? Arriscado? – Sim. Especialmente para os
que estão encrustados nos organismos denominacionais há anos e dali fazem sua
politica de perpetuação nos espaços sob seus domínios. Impossível? Certamente
que não, pois hoje dispomos de recursos tecnológicos que nos permitem tais vôos
mentais, aparentemente insanos, e até reacionários, mas nada mais é o que já
acontece no mundo moderno. Enxugar a máquina, diminuir custos e adotar posturas
e ações de gestão transparentes são opções aclamadas como sadias no mundo
moderno, e que arejam instituições, sejam elas religiosas ou não.
E o povo? A congregação ocupa que espaço hoje no cenário batista estadual? Onde
estão os leigos e as leigas? Refiro-me àquele povo que dizima, que evangeliza,
que canta, que faz com que o templo abra as portas dominicalmente, que paga os
salários dos pastores e ainda tem que financiar o plano cooperativo e bancar
financeiramente missões locais, estaduais, nacionais e mundiais. A assembleia
convencional irá se acomodar com este distanciamento das massas populares, e
optará por ser um concílio de clérigos?! Será que estamos prestes a engolir a
Ordem dos Pastores como sendo um organismo conciliar batista, com poder e
influência na vida denominacional maior que a Assembléia das Igrejas reunidas
num formato de convenção de igrejas estaduais?
Ontem, no culto de abertura dos trabalhos convencionais, a mesa estava
engalanadamente composta, mas o povo no auditório era raro. Uma discrepância
entre a pompa do altar e o volume numérico do povo no recinto. Observei pouca
gente presente num ambiente acinzentado, tendo um orador no púlpito, Pastor
Eber Silva, mas pouco povo para ouvi-lo, dentre eles, eu. Homiziados na
penumbra, acobertados por dezenas de poltronas vagas ao redor, nada tendo que
refletisse a magnitude do momento de instalação de uma assembleia anual
batista. Quem te viu, e que te vê! Que pena!
Não me considero saudosista, mas guardo lembranças na memória. Vivi o ambiente
batista sob a batuta de diretores executivos como Salovi Bernardo, Onésimo
Nascimento e José Vieira Rocha.
Recordo de cenas em assembleias convencionais nas quais havia um frenesi do
povo. Não adoto a linha de pensamento que no passado era melhor, ou pior; fato
é que estes líderes conseguiram a façanha de trazer o povo para os encontros
denominacionais. Reuniam gente de todo o lugar, vindos do grande estado de SP e
as assembleias convencionais refletiam essa magnitude. Os debates sobre os
temas no parlamento eram acirrados, mas não havia espanto, pois esta é a “cara
do povo batista”, o contraditório, o diálogo, o enfrentamento das idéias; o
local do cafezinho era um setor à parte, um bar de amigos, de conversas, de risos...
os sons da existência de vida. As assembleias tinham contornos de uma grande
celebração denominacional com múltiplas funções, dentre elas, fomentar a
identidade batista, enobrecendo o diálogo, a discussão de doutrinas e o
respeito às ideias diversas. Um povo diferente, que se igualava exatamente por
conta da manutenção da diversidade. Onde se enquadra a diversidade hoje?
Paradoxalmente restrita aos iguais, aos amigos de interesses comuns, que da
convenção se utilizam como esteira de pretensões pessoais.
Ontem à noite, no CENFORPE foi chocante, acachapante e desmotivador. Certamente
para os líderes que protagonizaram o momento ele fora pleno, mas não tinha o
povo. Os corredores entre os estandes estavam silenciosos, corria ali um vento
afetado de frio; não tinha viço. Não tinha o barulho da nossa gente feliz. E
sem povo, não se é batista. E o que sobra é mais do mesmo, e o novidoso do
Reino se distancia cada vez mais do jeito batista de ser. E neste contexto,
falar em eleição de uma mulher para secretaria executiva soa como aberração, ou
uma crítica pela crítica. E questionar acerca da ausência do povo na assembleia
convencional de uma denominação que é por natureza focada na igreja, e
congregacional por excelência, parece despeito e saudosismo.
Tenho medo do odor de morte que contamina o espaço em que deveria se sustentar
o viço da esperança e o vigor denominacional. A auspiciosa temática da
possibilidade de transformação dá lugar à estagnação, à repetição, à reprodução
de um legado que não serve mais ao bem-estar de todos, da missão, da igreja
local, mas sim favorece alguns que ali se ajuntam e se protegem; e as mulheres
batistas continuam ativas, operosas, e ai das igrejas locais se não fossem
elas; e lhes é garantido o direito à voz, mas não a vez. Adeus pretendida
possibilidade de transformação!
Por: Prof. Dr. Jorge Schütz